Hoje, pela primeira vez, deparei-me com uma reportagem sobre tradução que projeta o panorama futuro da atividade, que apresenta uma cronologia sobre o desenvolvimento de tradutores automáticos, que filosofa sobre Babel, que considera entrevistas com intercambista, construtor civil, cientista da computação, relações-públicas, entre outros, mas que não se dá ao trabalho de conferir a opinião de um reles tradutor profissional.
Trata-se da recente “Do you speak google”, publicada pela Veja em 03/05/2010.
É o mais evidente espetáculo de desatinos, materializado pela implicitação de que é Deus no céu e o google tradutor na terra. Surtos à parte, vou me restringir a opinar sobre a aterrorizante perspectiva de ‘genocídio’ dos tradutores.
Em primeiro lugar, desde que o mundo é mundo profissões surgem, desaparecem ou transformam-se em atividades que apenas remotamente assemelham-se à original. As conceituações variam ao longo dos anos.
Especialmente com o advento da revolução industrial, no século XVIII, tal fenômeno só foi acentuado. Transformações sociais que antes levariam séculos para mostrarem-se evidentes, a partir de então tomam forma em questão de meses. Ingenuidade é não enxergar isso.
Desde agora já esclareço: não desacredito na possibilidade de máquinas me chutarem pro olho da rua. Mas, juntamente com isso eu te asseguro uma coisa: a essa altura, peitos abertos em salas de cirurgias também estarão sob o cuidado de máquinas.
No campo da tradução, a maior dificuldade será suprir a intuição, a subjetividade, o tom, o sarcasmo, a ironia, enfim, nuances tipicamente humanas emanadas do texto. O computador AINDA opera com dados limitados, enquanto a linguagem aponta para o infinito. Até hoje, 20 de maio de 2010, tal substituição NÃO é possível, ainda que avanços relativos a projetos de inteligência artificial estejam de vento em popa.
Ademais, outras questões, mais relacionadas a armadilhas extra-linguísticas que à subjetividade humana, devem ser consideradas. Dias atrás, enquanto traduzia para o português um texto publicitário de um shampoo, produzido nos Estados Unidos, reparei na armadilha mais camuflada e solene com a qual já me deparei. A fórmula do shampoo era destinada à redução da queda do cabelo durante o outono (dizem as más línguas que nosso cabelo é influenciado pela estação mais down do ano - o outono), sendo assim, no encarte do produto constava a seguinte informação: período mais indicado para uso: setembro, outubro e novembro. Bom, isso até o Georgetown experiment de 1954 traduziria com resultados impecáveis (pro russo, no caso). O que a máquina não atentaria é para o fato de que o outono no hemisfério sul não equivale, em português, a september, october e november. Ta aí um caso de tradução outonal. Soa ridículo mas é isso mesmo, dependendo do contexto, até as estações do ano devem ser traduzidas conforme seus meses de ocorrência.
Ademais, outras questões, mais relacionadas a armadilhas extra-linguísticas que à subjetividade humana, devem ser consideradas. Dias atrás, enquanto traduzia para o português um texto publicitário de um shampoo, produzido nos Estados Unidos, reparei na armadilha mais camuflada e solene com a qual já me deparei. A fórmula do shampoo era destinada à redução da queda do cabelo durante o outono (dizem as más línguas que nosso cabelo é influenciado pela estação mais down do ano - o outono), sendo assim, no encarte do produto constava a seguinte informação: período mais indicado para uso: setembro, outubro e novembro. Bom, isso até o Georgetown experiment de 1954 traduziria com resultados impecáveis (pro russo, no caso). O que a máquina não atentaria é para o fato de que o outono no hemisfério sul não equivale, em português, a september, october e november. Ta aí um caso de tradução outonal. Soa ridículo mas é isso mesmo, dependendo do contexto, até as estações do ano devem ser traduzidas conforme seus meses de ocorrência.
Não afirmo que jamais uma máquina teria capacidade de configurar tal equivalência, e tenho um argumento simples pra justificar minha posição: há quinhentos anos, acreditar que a terra gira em torno do sol seria motivo de chacota.
Em outras palavras, ainda desconhecemos muito pra ousarmos afirmações tão generalistas. Contudo, é como eu disse, o dia em que modelos de inteligência artificial descartarem o cérebro de um tradutor, cilônios andarão sobre a terra e, se já não tivermos sido extintos, retornaremos ao posto de subordinados.
Em outras palavras, ainda desconhecemos muito pra ousarmos afirmações tão generalistas. Contudo, é como eu disse, o dia em que modelos de inteligência artificial descartarem o cérebro de um tradutor, cilônios andarão sobre a terra e, se já não tivermos sido extintos, retornaremos ao posto de subordinados.
Como se não bastasse, além da discussão moral existe a questão comercial. Muita - mas MUITA – grana está envolvida nos dois extremos da polêmica, e grana, até onde eu sei e até onde história me respalda, sempre pesou demais nos rumos que a humanidade tomou.
Sem maiores considerações:
- Tradução Automática, no estado em que se encontra não dispensa a força humana, a não ser no nível mais superficial. Entretanto, interesses comerciais e disponibilidade de investimentos aceleram significativamente o desenvolvimento de temíveis tecnologias.
- Pseudo-tradutores e bonitões que passaram 15 dias na Disney e manjam pra caralho de inglês estão com os dias contados. A regulamentação da profissão não será formalizada pelo ministério do trabalho, pelo governo, ou por sindicatos, mas por recursos online gratuitos que dispensarão conhecimentos medianos.
- A TA será um filtro para a profissão. Somente tradutores competentes serão capazes de conviver harmoniosamente com a ferramenta, o resto terá que arrumar outra coisa pra fazer. Como graduanda, ainda não atingi o nível de competência que aspiro, mas vou batalhar pra conquistar meu posto em uma área para a qual estudo feito louca.
Quando o chororô é grande, há quem chore e há quem faça a vida vendendo lenço. Questão de opção.
4 comentários:
Bleh... eu jurava que um mês em N.Y seria suficiente pra me tornar interprete na ONU!!! Você acabou de destruir meu sonho! uhauha
Brincadeiras aparte, também acredito que a subjetividade humana ainda faça toda a diferença, não apenas quando falamos acerca da tradução, mas também ao falarmos de outras áreas, como a música, a arte, a história, etc. Creio que até mesmo nas ciências exatas a subjetividade humana tenha grande importância, afinal de contas, seria a inteligencia artificial capaz de criar por si mesma??
Belo Post! Motivador e realista!! Parabéns!!!
Hm. Bem verdade. Essa "automação" tá acontecendo em várias áreas... viu que agora deram um jeito de criar um DNA sintético? Daqui a pouco já criam seres sintéticos. Eu hein... querem é terminar com tudo o que há de único na vida, em estar vivo. Se escondem atrás de propósitos falsos, pra ter aceitação... quanto à linguagem em si, acho tão grave quanto. Isso pq, numa era em que várias guerras e afins estão acontecendo, melhor seria melhorar a linguagem, sem falhas de comunicação, e nao piorar. Sei lá. Pode parecer muito e nada a ver este comentário, mas é isso que penso. =]
\o/
beijo
Que engraçado Gabe, acabei de ler seu comentário, entrei no twitter e me deparei com esse post, de um cara que eu sigo:
Vida sintética criada pela 1a vez: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/vida-sintetica-criada-pela-1a-vez-20052010-42.shl
É foda, é MUITO foda. A sociedade civil - a que mais deveria ser considerada, posto que abrange a verdadeira massa popular - sempre esteve e estará sujeita a criações que talvez só lhe tragam prejuízos.
Se nossa geração já acha que sofre em consequência dessa modernização excessiva, não quero nem imaginar o que espera as seguintes.
Siba, n sei até que ponto o propósito da inteligência artificial - o de desenvolver máquinas com um comportamento "inteligente"- enfrentará limitações com relação à criatividade.
É difícil imaginar, eu sei, mas olha pra trás e veja o número de impossibilidades enfrentadas por nossos antepassados que hoje cairam por terra.
Como um indivíduo de 200 anos atrás reagiria se vc afirmasse a ele ser possível cruzar continentes em questão de horas?
Eu não desacredito em nada! Só temo.
O cérebro ainda é a única fonte de onde surgem novas ideias, frases inteligentes e conceitos consistentes. Eu acredito que é quase impossível que a máquina consiga substituir o maior talento do homem, a capacidade de pensar...
E se caso isso acontecer um dia, provavelmente nem estaremos mais vivas...
Eu não troco a tradução da Maria Teresa Marques Santos por nenhuma de outra pessoa, muito menos por um google tradutor. ;)
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