19.5.10

Máquina x tradução

    Hoje, pela primeira vez, deparei-me com uma reportagem sobre tradução que projeta o panorama futuro da atividade, que apresenta uma cronologia sobre o desenvolvimento de tradutores automáticos, que filosofa sobre Babel, que considera entrevistas com intercambista, construtor civil, cientista da computação, relações-públicas, entre outros, mas que não se dá ao trabalho de conferir a opinião de um reles tradutor profissional.
Trata-se da recente “Do you speak google”, publicada pela Veja em 03/05/2010.
    É o mais evidente espetáculo de desatinos, materializado pela implicitação de que é Deus no céu e o google tradutor na terra. Surtos à parte, vou me restringir a opinar sobre a aterrorizante perspectiva de ‘genocídio’ dos tradutores.
Em primeiro lugar, desde que o mundo é mundo profissões surgem, desaparecem ou transformam-se em atividades que apenas remotamente assemelham-se à original. As conceituações variam ao longo dos anos. 
Especialmente com o advento da revolução industrial, no século XVIII, tal fenômeno só foi acentuado. Transformações sociais que antes levariam séculos para mostrarem-se evidentes, a partir de então tomam forma em questão de meses. Ingenuidade é não enxergar isso.
Desde agora já esclareço: não desacredito na possibilidade de máquinas me chutarem pro olho da rua. Mas, juntamente com isso eu te asseguro uma coisa: a essa altura, peitos abertos em salas de cirurgias também estarão sob o cuidado de máquinas.
    No campo da tradução, a maior dificuldade será suprir a intuição, a subjetividade, o tom, o sarcasmo, a ironia, enfim, nuances tipicamente humanas emanadas do texto. O computador AINDA opera com dados limitados, enquanto a linguagem aponta para o infinito. Até hoje, 20 de maio de 2010, tal substituição NÃO é possível, ainda que avanços relativos a projetos de inteligência artificial estejam de vento em popa.
    Ademais, outras questões, mais relacionadas a armadilhas extra-linguísticas que à subjetividade humana, devem ser consideradas. Dias atrás, enquanto traduzia para o português um texto publicitário de um shampoo, produzido nos Estados Unidos, reparei na armadilha mais camuflada e solene com a qual já me deparei. A fórmula do shampoo era destinada à redução da queda do cabelo durante o outono (dizem as más línguas que nosso cabelo é influenciado pela estação mais down do ano - o outono), sendo assim, no encarte do produto constava a seguinte informação: período mais indicado para uso: setembro, outubro e novembro. Bom, isso até o Georgetown experiment de 1954 traduziria com resultados impecáveis (pro russo, no caso). O que a máquina não atentaria é para o fato de que o outono no hemisfério sul não equivale, em português, a september, october e november. Ta aí um caso de tradução outonal.  Soa ridículo mas é isso mesmo, dependendo do contexto, até as estações do ano devem ser traduzidas conforme seus meses de ocorrência.
Não afirmo que jamais uma máquina teria capacidade de configurar tal equivalência, e tenho um argumento simples pra justificar minha posição: há quinhentos anos, acreditar que a terra gira em torno do sol seria motivo de chacota. 
 Em outras palavras, ainda desconhecemos muito pra ousarmos afirmações tão generalistas. Contudo, é como eu disse, o dia em que modelos de inteligência artificial descartarem o cérebro de um tradutor, cilônios andarão sobre a terra e, se já não tivermos sido extintos, retornaremos ao posto de subordinados.

Como se não bastasse, além da discussão moral existe a questão comercial. Muita - mas MUITA – grana está envolvida nos dois extremos da polêmica, e grana, até onde eu sei e até onde história me respalda, sempre pesou demais nos rumos que a humanidade tomou.
Sem maiores considerações:

-            Tradução Automática, no estado em que se encontra não dispensa a força humana, a não ser no nível mais superficial. Entretanto, interesses comerciais e disponibilidade de investimentos aceleram significativamente o desenvolvimento de temíveis tecnologias.

-            Pseudo-tradutores e bonitões que passaram 15 dias na Disney e manjam pra caralho de inglês estão com os dias contados. A regulamentação da profissão não será formalizada pelo ministério do trabalho, pelo governo, ou por sindicatos, mas por recursos online gratuitos que dispensarão conhecimentos medianos.

-            A TA será um filtro para a profissão. Somente tradutores competentes serão capazes de conviver  harmoniosamente com a ferramenta, o resto terá que arrumar outra coisa pra fazer. Como graduanda, ainda não atingi o nível de competência que aspiro, mas vou batalhar pra conquistar meu posto em uma área para a qual estudo feito louca.

Quando o chororô é grande, há quem chore e há quem faça a vida vendendo lenço. Questão de opção.