1.8.09

sem mais nem menos


   Quando comecei a estudar linguística não imaginei o quanto teria as perspectivas transformadas. É meio sinistro, as vezes imagino estar estudando psicologia.
   Imagino que poucos conseguem absorver a essência da Linguística pura, tanto que 98% dos alunos a contemplam como uma merda fodedora. O que desprezam é a beleza das descobertas individuais veiculadas pelo seu estudo.
   Fria e vagamente (sem qualquer indício de desprezo aqui) eu diria que estudar linguística é entender, observar e colocar em palavras o que a nós é intuitivo, considerando-se o fenômeno "comunicação". Mestres da oratória ou mesmo pegadores bom de lábia nada mais fazem que aplicar a linguística a suas estratégias de comunicação.
   Ethos, pathos, logos, Aristóteles foi um linguista vanguardista. O conceito de ethos é a maior prova do que digo.
   Todo discurso pressupõe a construção da imagem daqueles que estão envolvidos no processo interativo.     Há a imagem que o enunciador faz de si mesmo, a imagem que o enunciador faz de seu interlocutor e vice-versa. (obviamente há diversas outras interferências concernentes à construção de um discurso, mas a inteção aqui não é dar aula)
   Diariamente aplicamos fundamentos dessa instância, no entanto, por ser um fato humanamente inato, passa-se despercebido. Não colocamos em palavras ou estudamos minuciosamente tal ocorrência.
   Este raciocínio abre portas para inúmeras outras associações, e uma delas frequentemente martela a minha cabeça.
   Você já parou pra pensar que só somos capazes de estabelecer suposições, sejam elas quais forem, caso já tenhamos experienciado reações particulares em concordância com tais suposições?
   Ainda tenho leves dúvidas relativas à generalidade dessa afirmação, mas acredito que ela se aplica a uma abrangente gama de situações.
   Se as pessoas tivessem a mínima noção disso, se envergonhariam de diversas especulações que ousam exteriorizar durante toda a vida.
   Alguma vez li algo sobre isso em algum lugar e achei curioso. Não lembro o tipo de texto, se era científico ou não, só me recordo de ler algo do tipo: o ser humano não consegue supor, especular situações ou probabilidades que não reflitam o mínimo de sua própria essência e experiência.
   Há uma historinha bem difundida na internet que reflete muito bem o que falo. Há quem afirme ser este um teste aplicado a detentos como uma das avaliações na constatação de psicopatia.
   É o seguinte:
Uma menina se apaixona loucamente por um cara que conheceu no velório de sua mãe. A paixão é daquelas latentes e explosivas, porém, ela o perde de vista.
Uma semana depois essa menina assassina a irmã.
POR QUÊ?

Pessoas normais especulariam: Pq ela viu a irmã "pegando" o cara e foi tomada por uma cólera mortal, que "apagou as lamparinas de sua razão".

... Pensaste assim?

Segundo rumores, a resposta de um psicopata seria a seguinte:

Ela matou a irmã afim de atrair o rapaz ao velório e se encontrar novamente com ele.

   Interpretando, pessoas normais não cogitariam a possibilidade de uma atitude tão calculista porque particularmente não experienciam nenhum tipo de impulso, sentimento, seja lá como categorizam isso, capaz de levá-las a reagir de tal forma, sendo assim, em seus 'quadros de probabilidades' não existe essa hipótese.
   Segundo a lógica, psicopatas são capazes de supor essa possibilidade pois particularmente experienciam emoções ou impulsos que já os levaram a ao menos imaginar tal situação.

   Quantas vezes julgamos gestos, atitudes, palavras, ou mesmo o caráter de terceiros, sem imaginar que, se somos capazes de presumir em relação a eles, é pq somos capazes, de alguma forma, de praticar exatamente o mesmo.

  Não é uma grande descoberta, aliás, não acredito ser uma descoberta. Trata-se de algo que, intuitivamente, todo mundo sabe. Só não é um raciocínio conveniente a se difundir.

   A verdade é que somos todos lobos.
   Minhas modestas associações só me conduzem a acreditar que, definitivamente, nossas atitudes, ao menos enquanto humanos, são todas com fins de "auto-preservação", o resto é balela.
   Altruismo, misericórdia, compaixão e amor, mesmo que dedicados a terceiros, nada mais são que fontes alternativas a visar satisfação pessoal.
   O que felizmente existe é a coincidência de interesses: A sua felicidade ME alegra, o teu conforte ME conforta, ou, a sua tristeza ME deprime, a sua fome ME abate.
   A discussão é bem complexa, um tanto quanto anti-social, mas eu te afirmo, amigo, não tem como escapar. A reação inicial quase sempre é de negar e contestar energicamente, mas, apesar de doloroso, é uma verdade humana.

   Hoje, estou cansada. Cansada da realidade, tão real que me entristece. O egoismo sempre vence, é inevitável.
   Cansada de me deparar com o fato de que sinto medo, de que tenho pontos fracos e que frequentemente tento escondê-los.

... cansada, principalmente, da simples coincidência de interesses.